A insustentável balbuciação da propaganda
Por Fernand Alphen (*)
Existia uma regra básica da propaganda que julgava escória criativa toda e qualquer fotolegenda. Imagem explicativa de texto ou texto explicativo de imagem era considerado preguiça, incompetência ou submissão a briefings capengas.
Mas o mundo ficou binário e simplório.
Não há mais espaço para a dúvida, para a interrogação, para a ponderação intelectual, para a sutileza, para a poesia, para a descoberta. Não há mais lugar para consumidores bípedes providos de cérebro. Se o ser estúpido que nos lê não for capaz de regurgitar exatamente aquilo que queremos que ele vomite, gongo.
É por isso que inventaram aquela sequência didática de imagens ornamentadas com textos cheios de ênfase de folhetim, caracterizações caricaturais dignas de novela das sete, pérolas de sabedoria e música repetitiva mela cueca, sem medo de ser cafona e batida. É por isso que inventaram o filme manifesto que tantas lágrimas, arrepios e orgulho levantam nos palcos corporativos.
Os filmes manifestos são para a propaganda o que os livros sobre anjos são para a literatura. Um sucesso.
Só que parece que os próprios criadores inspirados das superficialidades manifestas estão sucumbindo ao discurso mastigado.
É por isso que criou-se a indústria da história recontada, das narrativas enfáticas, da mentira divergente, do mobral criativo, da tecla SAP para monoglota, da cartilha, decoreba e sem ritmo, do padre nosso ao vigário, do triunfo da obviedade. É por isso que criaram o vídeo-case que tanta sobrancelha arregaça nas fogueiras vaidosas das premiações publicitárias.
Os vídeo-cases são para a propaganda o que a pornografia é para o cinema. Um sucesso.
E a propaganda é para nosso futuro o que a catequese é para os índios. Uma piada.
(*) Fernand Alphen é VP de Planejamento da JWT Brasil.
infelizmente, fernando, concordo integralmente com você.
“Imagem explicativa de texto ou texto explicativo de imagem era considerado preguiça, incompetência ou submissão a briefings capengas.”
Paradoxal, pois a própria obra do Magritte que ilustra esse texto não significaria nada sem o texto que vem nela. Acho também binário o pensamento dessa época em que uma boa propaganda deveria ser só feita de imagem. Texto e imagem podem também se complementar sem serem redundantes…
E acho bem engraçado quando o publicitário fala do consumidor como “o ser estúpido que nos lê”, esquecendo-se que ele é também um deles. Um deles que recebe toneladas de informações ao dia e será impactado pelas peças de “arte publicitária” por alguns segundos, segundos esses que terá para absorver e refletir sobre toda sua “poesia”, supondo que esteja disposto para tais reflexões nesses poucos segundos.
Agora, sobre a vaidade do meio e o pornô-chachado dos vídeo-cases, eu devo plenamente concordar.