[ARTIGO] “Planejador ou estrategista?”, por Jurandir Craveiro
Planejador ou estrategista?
Por Jurandir Craveiro (*)
O Grupo de Planejamento Brasília nasceu no último fim de semana, depois de longa gestação. Representei o GP São Paulo com uma palestra de provocação e reflexão sobre a essência do planejamento e o papel do planejador.
Depois da saudação em vídeo do Presidente do GP, Ken Fujioka, aos colegas brasilienses, falei sobre o tema do encontro – “A estratégia e seu papel para as empresas, as pessoas e os clientes” – e enfatizei a importância do “pensar estrategicamente”.
De fato, é arriscado prescindir de um “olhar estratégico” quando se trata de quase tudo: negócios, marketing, propaganda, inovação de produto, prestação de serviço, entrega de conteúdo, política, vida pessoal etc..
Contei como escolhemos o nome NBS e o posicionamento da agência que íamos fundar em 2001, Pedro Feyer, José Blanco e eu, em reunião com os acionistas da Propeg. Para sermos “a agência que não enrola”, como desejávamos, propus uma fórmula que simbolizava nosso “olhar estratégico”:
i(n) = MNM + NBS.
Daí nasceu a NBS. Na fórmula, “Mão Na Massa” e “No BullShit” se somam para elevar à enésima potência e alavancar o “i”, onipresente no marketing e na comunicação. Repare como o “i” é a primeira letra de vários vocábulos essenciais ao nosso negócio:
Ideia – Ideação – Invenção – Identidade – Imagem – Ícone – Intuito – Indução – Instinto – Intuição – Insight – Inspiração – Informação – Integração – Inovação – Inteligência – Imaginação – Ideal – Idealismo – Inferência – Impacto – Imersão – Intervenção – Interrupção – Inquietude – Internet…
Infelizmente isso é coisa do passado e a NBS não é mais o que foi. É a única agência brasileira – e talvez no mundo – em que o planejamento se reporta e se subordina ao diretor de criação, desde que a Carla Sá, que deixei em meu lugar, desistiu e saiu, poucos meses depois.
Em outro flashback, remontando a 1981, lembrei a primeira pergunta que fiz, quando me convidaram para ser planejador, a mim, que nunca tinha pisado em uma agência e achava propaganda o fim da picada: “Mas o que faz o planejador numa agência?”
Alguém respondeu: “Faz a estratégia de propaganda”. Foi o que me interessou. Só muito tempo depois descobri que existe uma infinidade de “outras coisas” que o planejador faz, antes da tal estratégia.
Há muitas definições de estratégia, mas, eu, particularmente, endosso esta do tipo back to the basics: “um plano, um método, um conjunto de manobras e estratagemas, visando a consecução de metas e resultados almejados.”
- Plano: o que, quem, quando, quanto, onde
- Método: de que modo, que processo, que ferramentas, que procedimentos
- Manobras: que ações, que atividades, que ativações, que iniciativas
- Estratagemas: que ideias, que conceitos, que medidas, que meios
- Metas: que objetivos
- Resultados: que efeitos
Em palavras mais simples, estratégia é “o melhor caminho para se alcançar o destino desejado”. Por conseguinte, se não houver metas ou resultados definidos, qualquer caminho ou rumo “é” uma “estratégia” que levará a algum lugar – qualquer lugar.
Afinal, como diz o ditado popular, até relógio quebrado marca a hora certa duas vezes ao dia.
Em termos também simples, gosto de dizer que estratégia é “a melhor maneira de ir daqui acolá”, de onde se está para onde se deseja estar. “Melhor maneira” quer dizer a utilização mais efetiva e eficiente possível dos recursos e meios disponíveis.
Planejar significa indicar antecipadamente qual a melhor maneira de proceder para conquistar algo no futuro. Como o futuro é cheio de incertezas, nenhum planejamento é fixo e imutável. Todo planejamento compõe-se de escolhas que podem (e às vezes devem obrigatoriamente) mudar e se renovar no caminho.
Essa noção de planejamento me remete aos ensinamentos de Stephen King, que inaugurou em 1968, na JWT Londres, a disciplina de account planning, simultaneamente com Stanley Pollitt, na BMP.
King propôs uma sequência padrão de passos a que chamou de Ciclo de Planejamento. Mais do que um formato de apresentação, é um roteiro de pensamento.
Cinco perguntas fáceis de serem feitas e extremamente difíceis de serem respondidas e desenvolvidas com bom conteúdo.
- Onde estamos?
- Por que estamos aí?
- Onde queremos chegar?
- Como faremos para chegar lá?
- E então, onde conseguimos chegar?
Até hoje o Ciclo de Planejamento é o raciocínio que sigo ao me deparar com um novo projeto de planejamento, mesmo que não o empregue formalmente. O Ciclo e outras ferramentas constavam do “Toolkit of Advertising Planning Methods” da JWT. Aprender a usar direito essa “caixa de ferramentas” me fez um dia sentir que havia me tornado um “planejador” de verdade.
No entanto, há cerca de dez anos surgiu uma moda nova: ninguém mais quer ser chamado de “planejador”, todo mundo quer ser “estrategista”. Os títulos mais cobiçados passaram a ser os de Strategy VP, Chief Strategist, Head of Strategy, Strategy Director ou outros que o valham.
Talvez porque “estrategista” soe mais criativo do que “planejador”, mais cool, apontando direto para a solução, para a estratégia, onde habita a glória imortal. Mas se alguém quiser mudar o Grupo de Planejamento para GE – não, não General Electric – sim, Grupo de Estratégia, eu grito.
Ora bolas, o Ciclo identifica os passos essenciais, inevitáveis no processo de planejamento. Vai da caracterização da situação existente (onde estamos) para seus condicionantes, causas, forças, fraquezas, problemas e oportunidades (que explicam porque estamos onde estamos).
Daí vai para os objetivos almejados (onde queremos chegar), e depois para a maneira ideal de alcançar esses objetivos (como faremos para chegar lá). Passa finalmente para o modo como se avaliarão os resultados (onde estamos novamente, depois de tudo).
Portanto, se o problema e a oportunidade não forem identificados, nem o objetivo definido claramente, como é possível pensar em estratégia? Ou avaliar o resultado?
Considere a seguinte afirmação:
“Se eu tivesse uma hora para resolver um problema e minha vida dependesse disso, eu gastaria 55 minutos definindo o problema e 5 minutos trabalhando na solução, pois toda vez que definir bem qual é o problema, eu o resolverei em menos de cinco minutos, facilmente.”
Quem disse isso foi Albert Einstein, citado pelo diretor de criação, redator, escritor e blogueiro inglês Dave Trott, conforme relatei em um artigo que publiquei neste blog: “Se os planejadores planejassem“. Interessante ver o que Trott pensa sobre o papel dos planejadores. Uma visão de fora da nossa panelinha:
“Desde sempre acho que o papel certo dos planejadores é esse. Definir o problema. Do contrário, porque os criativos não receberiam os briefs diretamente dos clientes, ja que sabem resolver problemas?
Porque identificar o problema a ser resolvido é o grande problema dos criativos.
Se a única ferramenta que você tem é o martelo, todo problema se parece com um prego. É isso que acontece muitas vezes com os criativos.
Respondem com um anúncio caro, bonito, estiloso, merecedor de prêmio… mas o que era mesmo que precisava ser resolvido?”
Em 2008, em uma palestra controversa, intitulada “Planejamento aos 40: resolvendo os problemas errados“, Jon Steel, guru do planejamento e autor do clássico “Truth, Lies & Advertising“, afirmou:
Para mim, o papel do planejamento nos próximos 40 anos é ajudar os clientes a estabelecer os objetivos certos. Os objetivos certos para as marcas e para o negócio, não só para as comunicações.
Em dois outros artigos que escrevi – “O imperador está sem roupa” e “O bom e velho planejamento já era” – Jon Steel aprofunda a crítica aos rumos que o planejamento tomou na era digital. Ele não aprova a troca de objetivos comerciais por outros que considera etéreos, como as medidas de relacionamento e engajamento em redes sociais.
Essa coisa de planejador achar mais bonito ser chamado de estrategista é bobagem, mas é o que se tem para hoje e já está rolando faz tempo. Proponho então algo mais: além de estrategistas, sejamos também conhecidos como “objetivistas”.
O “objetivista”, para começo de conversa, é um ótimo “problemista”, alguém que sabe identificar o problema e a oportunidade como ninguém. Sobretudo, o “objetivista” sabe definir as metas e os resultados desejáveis, obedecendo a três critérios fundamentais – serem relevantes, atingíveis e mensuráveis.
Pensando melhor, o planejador ideal seria então o resultado da soma de quatro personas:
- o problemista perspicaz
- o objetivista afiado
- o estrategista inspirado
- o avaliador rigoroso
Para usar esse chapéu de quatro bicos, é melhor ser chamado de planejador, simplesmente. Com muito orgulho.
(*) Jurandir Craveiro é planejador de marca e comunicação. Foi fundador da agência NBS. É presidente do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental, vice-presidente do Grupo de Planejamento (GP) e autor do Blog do Jura.