[ARTIGO] “Bigger, better, stronger”, por Ricardo Amaral

ccxp2015

Bigger, better, stronger

Por Ricardo Amaral (*)

Mais um ano de CCXP e temos a agora tradicional leitura do que aprendi durante o Business Summit, o evento paralelo de negócios em cultura pop e entretenimento que acontece durante a feira. Recomendo a leitura do texto do ano passado para quem queira saber um pouco mais do que é o evento que, em seu 2o ano, já seria extra-oficialmente a terceira maior Comicon do mundo (atrás da SDCC e NYCC), algo surreal se imaginarmos que o evento tem apenas 2 anos e foi criado por uma empresa que jamais havia feito um evento na vida (no caso, o grupo Omelete).

É inegável que houve uma grande evolução de 2014 para 2015 no evento em si. A presença mais ostensiva dos grandes estúdios e mesmo a participação de novos players que haviam ficado de fora da outra vez (Halo, algumas editoras tradicionais de livros) deram um ar de rara profissionalização num mercado que ainda é muito mambembe. Isso é comum em toda a cadeia cultural, especialmente as que atuam em setores mais nichados de mercado.

O evento de negócios esse ano foi muito intenso: foram 3 dias basicamente sem tempo para fôlego, pois haviam muitos assuntos e, na prática, pouco espaço para cobrirmos uma gama gigantesca de temas e assuntos. A cultura pop engloba muitas indústrias e temas e, se fossem realmente dedicar o tempo necessário a todas elas, ficaríamos facilmente mais de uma semana nisso.

1*n
Tomorrowland 2015 na Bélgica [créditos: Tomorrowland]


Experiência

A grande tônica da grande maioria das palestras girou na questão da criação de experiências. Sim, é verdade que o conteúdo é rei nesse mercado (mas nem sempre: muitas vezes a força das propriedades intelectuais [IPs] supera em muito a qualidade do conteúdo produzido — vide Star Wars). Mas hoje esse conteúdo precisa estar muito bem empacotado e pensado de forma a gerar o máximo de impacto e interesse.

Tivemos vários casos apresentados, em especial durante as palestras daTomorrowland, da Fox e da Riot Games. A id-t, empresa holandesa que é a dona do evento de música eletrônica, demonstrou que mais do que um evento de 3 dias, trata-se de uma plataforma que se movimenta o ano todo e somente culmina com os 3 dias onde as pessoas literalmente se transplantam para um mundo onírico. O interessante é que mesmo as marcas patrocinadoras do evento são obrigadas a se “vestirem” de Tomorrowland para participarem e obrigadas a dar serviços que agreguem mais experiências surpreendentes aos usuários.

A Riot Games surpreendeu ao mostrar como está fazendo para transformar uma categoria mal vista (games online) em um eSport (ou seja, um esporte eletrônico). A razão parece estranha, mas é simples: um jogo como League of Legends possui regras, estratégia, campeonatos, times e ídolos — a mesma lógica de outros esportes mentais, como xadrez e poker. E se alguns esportes físicos se tornaram cada vez mais próximos do entretenimento (NFL?), porque não o entretenimento se aproximar do esporte?

A Fox esteve presente com seus canais FOX e FX e o novo FoxPlay e foi uma das conversas mais interessantes, pela construção complexa hoje envolvida na relação entre canal VOD e cabo. Em resumo: hoje a TV a Cabo depende fortemente de gerar grandes eventos, de criar momentos onde todo mundo deve estar ligado, que o espectador não possa perder por nada. São as maratonas de séries, as estréias simultâneas, a versão dublada com o mínimo de tempo de atraso em relação aos Estados Unidos. Tudo isso encaixado com as possibilidades dos canais on demand complementarem a experiência, como manter a série disponível logo em seguida à exibição na TV.


Empreendedorismo

Outro lado importante do evento foi revelado do lado de fora, digamos assim. Era grande o número de participantes que desejavam empreender e, por isso, acabaram escolhendo ir ao Business Summit. Isso corroborou um dos principais achados da enquete Pesquisa Geek Power do Omelete, que também foi apresentado logo no primeiro dia do evento. Esse trabalho, que contou com a resposta de quase 15.000 leitores do Omelete do Brasil inteiro (uma amostra bastante interessante pelo tamanho), indicou entre outros dados, que 80% dos fãs de cultura pop querem empreender.

Notou-se também que as palestras que tocavam no tema de empreender tinham grande ressonância com boa parte dos participantes do Summit — com uma exceção, e por boa razão: a palestra com o poder público. Mas sobre ela falarei à frente. Foi colocado que há boas oportunidades ainda na área de games e que há uma série de pequenas empresas brasileiras mas desconhecidas que já estão tendo alguns resultados interessantes na área especialmente de mobile.

1*d1ZZVBB6rgzVru1CyP74CQ
Via Loot Crate

De qualquer modo, há uma grande lacuna e uma dificuldade muito grande de se profissionalizar o setor, tradicionalmente pouco capitalizado e informal ao ponto de ainda depender da pirataria. Mas, se conta como ponto positivo, conheci empreendedores que perceberam vantagens em trabalhar com licenciamento oficial e viram suas vendas aumentarem brutalmente quando passaram a vender produtos oficiais no lugar dos piratas.

Um caso interessante que a Warner Bros mostrou, na visita guiada ao estande espetacular montado ao estilo da série Arrow, foi a de um entreposto de frutas no CEAGESP que licenciou a Liga da Justiça para vender maçãs in natura e dobrou as vendas. Mesmo que a história pareça boa demais para ser verdade, o ponto aqui é que o licenciamento se tornou simples e acessível o suficiente para que pequenas empresas e empreendedores possam se utilizar do antes complexo mecanismo de marketing para dar um salto mais seguro no mercado.


O fã virou mainstream

1*tdvf4plW7r5fQNO09bfE6g
Créditos: Litera Tortura

Cultura é algo que se dissemina, muda e se adapta com tempo. O jazz saiu dos guetos, onde era folk, se tornou mainstream ao ser recombinado e adaptado e, depois de seu auge em termos de popularidade, voltou a ficar em outro tipo de gueto, o processo famoso de canonização acadêmica. A partir de então, o ciclo se divide: parte busca manter aquela cultura fiel às origens — em geral nas madrassas acadêmicas e nos grupos de fãs mais ortodoxos do estilo, onde vira praticamente museu — e outra parte se recombina e vira outra coisa — no caso do jazz, foram as misturas com outros gêneros e vertentes como o rock, com o hip hop e com o eletrônico, que fizeram o estilo ter alguma sobrevida fora do gueto.

Não surpreende portanto que estamos assistindo esse mesmo processo acontecendo com o chamado entretenimento pop, que já teve outros momentos de ouro, como na década de 1970, mas não com a força que chegou nesse momento da história. Sim, a globalização das culturas (sim, a influência asiática é enorme nesse mercado) teve grande papel nisso, ao incorporar a China e a Índia dentro desse caldeirão.

Outro fenômeno é a chegada da mulher nesse mercado que sempre foi associado ao universo masculino. A própria Pesquisa Geek Power do Omelete mostra um rápido crescimento do universo feminino em 2015. A participação feminina saltou a 30% do público no survey, um crescimento de mais de 80% em relação a 2014. Essa participação feminina acontece porque a oferta de conteúdo de gêneros (aqui entendido como os universos de fantasia, sci-fi, heróis etc) que comtemplam as expectativas femininas aumentou brutalmente. Ser menina geek também passou a ser mais legal, pois percebe-se uma diminuição no preconceito que havia por parte da sociedade à presença delas.

Outra forma de se olhar que o universo pop não representa mais o nicho é que 9 dos 10 filmes de maior bilheteria no ano eram filmes de gênero. O único extra era uma comédia da Globo Filmes.

Houve uma clara migração do nerd obsessivo para o geek descolado e para o fã de cultura pop em geral. Saiu-se do armário: não é mais estranho um banqueiro aparecer todo tatuado e com símbolo do Superman no braço, e ainda assim, ser banqueiro, como revelou o criador do Projeto Fora de Série, ele mesmo um ex-banqueiro.


Porque o conteúdo nacional não acontece

Há vários fatores, mas podemos resumir em quatro: mercado muito autocentrado, foco em produtos perecíveis, qualidade limitada a nichos muito pequenos e políticas centradas na produção e não no desenvolvimento de audiências.

1* AKsGaO4Yd dQNWi6Wfkrw
Sinhozinho Malta — Inesquecível mas esquecido

A própria Globo está tentando se reinventar e entender quem é esse novo público que praticamente largou a marca, se não em audiência, ao menos em fervor. Sim, a Globo continua sendo referência em conteúdo nacional e todos a copiam. Mas o canal sempre trabalhou em cima de conteúdos perecíveis, onde a morte da novela precisava ser rápida para ser substituída pela nova no coração do público. Ou seja, a Globo nunca entendeu direito como trabalhar com personagens e propriedade intelectual. Ela também sofre para conseguir entender o papel de cada canal em suas estratégias, ela que é totalmente centrada no canal de TV aberto. Isso explica as diferenças brutais de imagem de marca e atuação dos canais à cabo, da editora de revistas, da editora de livros e dos canais de rádio. Cada uma faz do seu jeito.

E nesse ponto foi interessante notar que a Globo pretende se reinventar como uma empresa de conteúdo multiplataforma, mas ainda reafirmando que o centro é o canal de TV aberta. Ou seja, tudo leva ao reforço da importância da TV aberta no mix da marca. Veremos se isso vai de fato funcionar num mercado onde o streaming cresce.

Outro problema do mercado nacional é seu tamanho e o fato de que os incentivos para sua produção praticamente eliminam a necessidade de se desenvolver público, pois as Leis de Incentivo por si só já “pagam” a criação. Em outros países, ou o próprio artista é obrigado a criar seu público (EUA) ou a ir atrás de mercados externos (Suécia, Japão), pois não há dinheiro a fundo perdido para “criação”, como é feito no Brasil. Como não há necessidade de se buscar mercado, os nichos não crescem. Então temos os blockbusters (os Leandros Hassums da vida, que conseguem viver sem subsídio porque há mercado) e conteúdo autofágico, feito para o próprio umbigo do artista.

Um mercado que é financiado para criar oferta sem ter compromisso com a demanda não gera portanto qualquer ganho social, somente para os artistas bem relacionados. Não tendo compromisso com resultado, acabamos mantendo o status quo, que destruiu o cenário musical de nichos no Brasil, por exemplo.


O Estado continua fazendo pouco e errado

Nessa mesma linha, não surpreende que a pior palestra disparada foi a feita pelos entes públicos, que mostram a falta de sintonia com o mercado. Todos muito simpáticos e solícitos, mas era o século XIX falando para um público que já estava vivendo o século XXI.


Créditos: FreeRepublic

Há desconexão total com o que se faz no mundo, apesar da conversa em muitos casos apropriada, como falar em desenvolvimento de IP, de transmídia e de criar espaços públicos para que o conteúdo possa ser desenvolvido. Mas como aqui é Brasil e sempre fazemos do jeito errado, o poder público prefere investir diretamente na oferta e em custo fixo (onde é menos necessária sua presença) e não na facilitação de negócios e desenvolvimento da demanda. Gastará com novos equipamentos de cinema ao invés de usar infraestruturas já existentes em bibliotecas e escolas públicas. Injeta dinheiro a fundo perdido e sem contrapartida na produção de filmes, um contrassenso e um desperdício de dinheiro público.

E pior: onde o governo poderia trazer enorme impacto, com custo relativamente barato perto do que se coloca em dinheiro a fundo perdido na produção de filmes seria justamente naquilo que o mercado hoje não consegue absorver: o desenvolvimento de pesquisas contínuas quantitativas sobre o mercado cultural e de entretenimento. O retorno seria garantido tanto na área acadêmica — muito carente de dados quantitativos, fundamentais na pesquisa de base — quanto na área privada, que poderia aplicar melhor o investimento em setores sub-investidos. Para se ter uma idéia, o último estudo governamental do BNDES sobre o setor é umpaper de 2012 que coleta dados secundários amplos, sem qualquer aprofundamento e detalhamento. Antes disso, me recordo de um outro de 2005, sobre indústria do livro, com falhas graves de método. E só.


A próxima evolução terá que sair dos IPs nacionais

Por tudo que vi e pelo sucesso estrondoso e, agora, mundial da Galinha Pintadinha, me parece claro que o Brasil tem capacidade e know-how para o desenvolvimento de conteúdo nacional, mas global, de conteúdo especialmente infantil na área da animação. Ve-se o sucesso do Mundo da Luna, que pinta como a próxima “Galinha Pintadinha”.

1*yzPbzamUTitEfiH iqrVTA
Os Aspones — Raro Caso de Série Geek Nacional

Mas porque os sub-gêneros (aqui entendidos como ficção científica, nerd, heróis, noir etc) não acontecem no Brasil? A última boa série nacional na minha opinião foi Os Aspones, talvez a mais geek e sofisticada que a Globo tenha cometido. Feita com humor ácido típico de séries como The Office, The IT Crowd e Communion, onde as citações à cultura pop são praticamente a base dos roteiros, acabou morrendo rapidamente talvez porque não existisse espaço para algo tão nichado num mundo Globo. Talvez ainda não exista, no mundo dos Brunos & Mahoneis [sic] e dos badauês de boutique, mas não duvido que pudesse sobreviver hoje como uma série curta num Netflix.


FECHAMENTO

Se o CCXP Business Summit este ano pareceu menos impactante por conta do fim do caráter novidade, ele foi mais consolidador do que o ano passado. Houve mais integração entre os tópicos e mais alinhamento de conteúdo. Achei muito positiva a participação da id-t e da Riot Games falando de seus universos de uma forma raramente falada na mídia, com foco em suas estratégias de negócio e posicionamento de marketing.

Para mim, o recado essencial foi que hoje trabalhar no universo pop é complexo, multimídia e complementar, onde o mais importante está na experiência proporcionada por cada um dos meios e conteúdos. Há muito espaço para a profissionalização do setor e gaps enormes de gestores administrativos e gestores de projeto, dada a complexidade atual do modelo. E infelizmente não se vê na academia atualização nesse tipo de formação, sendo basicamente uma área onde as pessoas “acabam” assumindo tais funções.

E finalmente, a falta de números e dados concretos sobre o mercado (um papel que o governo poderia assumir, ao invés de bancar filmes irrelevantes) continua sendo um empecilho para investimentos na área, já que faz com que grande parte do mercado e estudiosos navegue no escuro. Iniciativas como a pesquisa Omelete Geek Power [um survey na verdade] acabam sendo extremamente úteis e devem servir de referência por muito tempo para empreendedores da área.


(*) Ricardo Amaral é planejador e consultor na Pollex.