[ARTIGO] “Keep walking sem lenço nem documento?”, por Jurandir Craveiro

KEEP WALKING SEM LENÇO NEM DOCUMENTO?

Por Jurandir Craveiro (*)

Nova campanha global da Johnny Walker embarca na onda da Alegria, Alegria, que no Brasil virou otimismo. Boa hora para incensar o otimismo no país. Ou não?

A nova estratégia muda o sentido da assinatura Keep Walking, uma das mais icônicas e bem sucedidas da propaganda, desde que foi criada pela BBH em 1999.

Agência global da Johnny Walker desde o ano passado, a Anomaly meteu esta frase à frente: Joy Will Take You Further.  –  “A alegria te levará mais longe.”

No Brasil, se traduziu para “O otimismo te leva mais longe”. Liberdade publicitária, nada literal, mas aceitável. Não é só a tradução que me incomoda. Penso que o equívoco está na origem.

Mais do que uma assinatura ou tagline, Keep Walking é uma tremenda branding idea – uma “ideia construtora da marca”. Nutriu grandes ideias execucionais para Johnny Walker nos últimos 15 anos e fortaleceu a marca.

Escrevi, na semana passada, sobre essa capacidade das “ideias marcantes” de inspirar execuções brilhantes ao longo do tempo, que se tornam indeléveis na história da marca. Citei Think different, da Apple, Just Do It, da Nike, e a mais recente, Made of More, da Guinness.

A Diageo parece buscar um rejuvenescimento da marca que a faria atrair um consumidor mais jovem do que o atual. Troca a mensagem histórica de que  “o trabalho árduo e a perseverança levam a se caminhar para a frente na vida”, pela noção de que a alegria é que é fundamental para se progredir na vida.

É a maior campanha global da história da marca, entrando simultaneamente no ar em mais de 50 países. Deve atingir 270 milhões de pessoas. O significado mundial da marca passa a ser a alegria, a felicidade, o bom astral, o pique pra cima. E, no Brasil, o otimismo.

Em declaração ao AdAge, o diretor global da marca, Guy Escolme, não poderia ser mais explícito: “A nova campanha quer passar a ideia de que “partindo-se de uma posição de felicidade, otimismo e alegria, se aceleram o progresso e o sucesso na vida.”

Será que a categoria dos whiskies comporta essa linguagem quase cervejeira, meio festeira, ainda que sem os ranços da balada e da multidão? Vejo nessa campanha até lances dos velhos filmes dos cigarros Hollywood, modernizados.

Parece se aproximar do clima de campanhas como as da Heineken e até da Skol. Sem contar que a Brahma recentemente lançou uma campanha que enfoca o otimismo: “Todo Dia é Ano Novo“.

Ou seria uma versão hard das campanhas de Open Happiness e  Choose Happiness da Coca-Cola? Só falta Johnnie Walker comprar os direitos de “Alegria, Alegria”, do Caetano. Brincadeira minha!

A Diageo quer reanimar as vendas de Johnnie Walker que caíram no mundo todo. 2015 está quase acabando e o desempenho no ano é pífio. A esperança são os mercados emergentes como o Brasil e a Índia.

Quem toma Johnny Walker entre nós é majoritariamente o homem maduro da classe alta. Daí para mais velhos. O ator Jude Law o personifica e rejuvenesce.

As outras celebridades do elenco também, como o piloto de Fórmula 1 Jenson Button, a atriz Zhao Wei, a modelo mexicana Montserrat Oliver, a banda Ok Go e a engenheira sueca Eva Hakansson que construiu a moto ElectroCat.

Foram escolhidas porque “compartilham a visão da marca de que a felicidade na vida é combustível para o sucesso.” Isso será suficiente?

Keep Walking não é mais o mesmo. Temo que isso vá destruir o que a marca conseguiu construir até hoje e que não é pouco: segundo o Impact Databank de 2015, Johnny Walker é a marca de aguardente mais valiosa do mundo.

Espero estar enganado, pois o Johnny Walker Black é também a minha marca de whisky favorita, disparada à frente das demais.

Veja abaixo a versão mundial do filme de lançamento em inglês com foco na alegria, que é melhor do que a brasileira com foco no otimismo, na minha opinião.

https://www.youtube.com/watch?t=94&v=K9R9YtaoYAE


jura

(*) Jurandir Craveiro é vice-presidente do Grupo de
Planejamento (GP) e autor do Blog do Jura.