[ARTIGO] “Meu trabalho não é mudar o mundo, e nem é o seu”, por Lucy Kellaway

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(Artigo originalmente publicado no Financial Times.)


Meu trabalho não é mudar o mundo, e nem é o seu

Por Lucy Kellaway (*)

Ao escrever estas palavras, não estou tentando melhorar sua vida. Não estou tentando mudar a humanidade. Tudo o que tento fazer é segurar sua atenção pelos três minutos que você precisará para ler isto.

Levo meu objetivo a sério. Os leitores do “Financial Times” são pessoas inteligentes que poderiam estar fazendo outras coisas e, portanto, se eu conseguir convencer vocês a esquecer de todas essas outras coisas e ler o que estou escrevendo, vou considerar meu trabalho feito.

Para mim, esse objetivo é ambicioso. Mesmo assim, percebo que ao me apegar a ele estou sendo uma aberração. Minha avaliação do que faço está destituída daquilo que quase todo mundo hoje exige de um emprego: um propósito maior.

Tome por exemplo a Asana, uma companhia que vende softwares de mensagens instantâneas. Na semana passada entrei em seu site, onde em letras garrafais está escrito “ajudando a humanidade a prosperar ao possibilitar a todas as equipes trabalharem juntas sem esforço”. Se meus colegas que usam a Asana forem servir de referência, ela não está sendo bem-sucedida nesse objetivo. Eles apenas reclamam por terem de engolir mais um meio de comunicação.

A Asana pode muito bem ser perdoada por esse objetivo grandioso porque está baseada no Vale do Silício. Desde que o Facebook prometeu “tornar o mundo mais aberto e transparente” e a Microsoft prometeu “capacitar cada pessoa e cada organização do planeta a fazer mais e conseguir mais”, a presunção tem sido desenfreada.

De certa forma, essas companhias de tecnologia da informação realmente mudaram o mundo. Elas fizeram quase todas as outras professarem que também querem mudar o mundo.

A Saatchi & Saatchi é uma adepta ávida da febre “nós mudamos o mundo para melhor”, mas, quando visitei seu site em busca de evidência dessas mudanças, tropecei em seu novo anúncio para as fraldas Pampers. Ele mostra as expressões de dez bebês enquanto eles fazem cocô ao som de Richard Strauss. É bem engraçado. Muito bem filmado. Mas certamente muda o mundo apenas no sentido em que poderá vender mais lenços de papel e fraldas – e também coloca na internet mais fotografias de bebês bonitinhos fazendo força para defecar.

Como as agências de publicidade existem para inflar o ego de seus clientes, não surpreende elas estarem também inflando seus próprios egos. Mas o mais preocupante é a maneira como as empresas tradicionais estão seguindo essa tendência. O novo objetivo da 3M é “Promover cada companhia. Aprimorar cada lar. Melhorar cada vida”, o que é um longo, triste e tempestuoso trajeto de queda para a companhia que já melhorou a vida nos escritórios com a brilhante invenção do Post-it.

Mesmo assim, para mim o ponto mais baixo foi descobrir na semana passada que a Cummins, uma sólida fabricante de motores, também entrou nessa. “Tornando melhor a vida das pessoas ao revelar o Poder de Cummins”, alardeia sua lamentável missão.

Até mesmo os bancos, que não tornaram o mundo um lugar melhor na última década – pelo menos não de maneira perceptível -, ainda gostam de insistir que fazem isso. Os objetivos do Citibank incluem “possibilitar o crescimento e o progresso econômico”, enquanto o Barclays diz que seu propósito é “ajudar as pessoas a realizarem suas ambições – da maneira certa”.

Ainda assim, a companhia que mais vem perseguindo um propósito maior é a KPMG. Ela pagou uma agência de propaganda para criar cartazes que perguntam “O que você faz na KPMG?”, juntamente com respostas que incluem “Nós lutamos pela democracia” e “Eu combato o terrorismo”. A única resposta que ninguém parece ter dado é “Eu examino a contabilidade de empresas e sistemas de controle financeiro”.

Segundo um artigo recente do diretor de recursos humanos da companhia, a missão que visa alcançar seu propósito maior tem feito maravilhas pelo moral interno. Para provar isso, ele conta a história comum de três pedreiros que são perguntados o que estão fazendo. O primeiro diz que está assentando tijolos, o segundo diz que está erguendo uma parede e o terceiro, que está construindo uma catedral.

A moral da história é que o terceiro homem é o visionário e o herói, e todo trabalhador humilde deve ser encorajado a pensar como ele.

Não concordo com essa história por três motivos. Para começar, enfatizar a catedral diminui a importância do trabalho em si. Há uma honra e uma habilidade em assentar perfeitamente um tijolo sobre outro. O mesmo vale para escrever uma boa coluna e fazer uma boa auditoria.

Em segundo lugar, a maioria das empresas não está construindo catedrais. Elas estão fazendo coisas menos gloriosas como prestar consultoria fiscal ou vender softwares. Assim, elas precisam apelar para bobagens como democracia e humanidade – que são coisas comuns demais para motivar muito alguém.

A terceira objeção é que a catedral é desnecessária. Se as empresas querem um propósito maior, tudo o que elas precisam fazer é dizer que produzem coisas que as pessoas querem comprar, dar empregos para as pessoas e tratá-las bem.

Agora que pensei nisso, há outra coisa que não gosto nesse propósito maior corporativo, além do fato de ele ser presunçoso, falso e desnecessário. É o fato de ele ser chato. Se eu tivesse começado esta coluna dizendo: “Vou ajudar a humanidade a prosperar”, aposto que você teria parado de ler logo de cara.


(*) Lucy Kellaway é colunista do “Financial Times”.