[ARTIGO] O que um publicitário homem, hétero e branco tem a dizer sobre o zeitgeist que vivemos

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O que um publicitário homem, hétero e branco tem a dizer sobre o zeitgeist que vivemos

Por Yugo Motta (*)

Para começo de conversa: eu não tenho legitimidade para falar de preconceito, repressão ou qualquer outra forma de privação de liberdade. Não vivi, ou não me senti vivendo isso, e não posso dizer que sei o que é passar por esse tipo de situação. Para falar a verdade, o único preconceito que eu vivo é quando mostro minhas tatuagens em público e recebo aquela torcida de nariz.

E a maior prova disso é que só há pouco tempo descobri a diferença entre sexo, identidade de gênero e orientação sexual. Tarde? Muito provável. Mas felizmente eu estou rodeado de pessoas inspiradoras que me tiram da zona de conforto e me mostram o mundo real. E só quem é cego (de coração) não vê o momento de ruptura que vivemos. Um movimento que começa a tomar forma e exigir sua representatividade em todas as expressões do cotidiano. Esse é o contexto, o zeitgeist que vivemos.

Então por que eu, uma pessoa que supostamente não tem credibilidade para tocar nesse assunto está escrevendo um texto sobre isso? Porque o meu ofício é a comunicação. O que eu ponho no Keynote ou o que é decidido em uma sala de reunião tem chances reais de ir pra telinha de cada brasileiro. Seja qual for o tamanho da tela. E com isso vem uma responsabilidade, mesmo que compartilhada, de criar cultura.

Quem acha que só o Manoel Carlos ou produtores de conteúdo (insira aqui qualquer plataforma social relevante para você) criam cultura está enganado. Sim, a cauda longa é uma verdade e a audiência se pulverizou, mas a força da publicidade como parte da criação de cultura popular é indiscutível. Eu sei, a televisão e a publicidade brasileira não são mais uma Brastemp, mas todo mundo usa.

E é aí que mora a questão: como publicitários e marcas podem ajudar de forma genuína a construir um novo campo semântico em torno do assunto de gêneros? Como podemos parar de estereotipar e classificar de forma pejorativa e incentivar uma discussão saudável que traga a tona o que é visto no cotidiano hoje?

Primeiro: ouvindo. Se tem uma coisa que eu aprendi é a ouvir. Se eu não conheço nada sobre um assunto, eu escuto quem tem bagagem. Aí eu aprendo um pouco mais. E só depois de aprender bastante que eu ponho algo pra frente. Até porque comunicar errado é pior que não comunicar nada.

Segundo: agindo. E se ouvir já é difícil, agir é mais ainda. São poucas as iniciativas de comunicação como o Dicionário de Gêneros do AfroReggae e Respeito is On da Skol que falam de forma explícita sobre essa questão. Aliás, Avon, parabéns. Precisamos provocar esse tipo de discussão.

Mas, fazer parte da discussão não significa ter que fazer uma campanha em cima do tema. Afinal, retratar minorias de forma natural em comunicação tem tanto peso quanto levantar uma bandeira.

Assim chegamos ao terceiro ponto: testando. Só prototipando novos modelos que vamos conseguir mudar a cultura. Não dá pra ter medo de errar. Erro é continuar a criar estereótipos e incentivar um modelo antigo. Marcas admiradas serão aquelas que vão eliminar seus preconceitos nas campanhas cotidianas e retratar em suas iniciativas de comunicação o que vemos nas ruas.

É claro que só comunicação não é o suficiente e essa discussão é muito mais profunda. Será que pode surgir um possível “gender wash”? Não sei. Mas, eu acredito que se a comunicação começa a trazer a tona esses assuntos, mostrando o que é comum, cotidiano, pode influenciar uma empresa inteira. E consequentemente, um mercado inteiro.

E acredito de fato que se uma empresa põe na rua uma peça de comunicação que está a serviço dessa mudança de cultura, é mais provável que esteja aberta a ter colaboradores tão diversos quanto sua campanha. Assim, tendo mais opiniões e mais pontos de vista, temos mais chances de mudar esse status quo.

Esse é o relato sincero de quem aprendeu que tem uma parcela de responsabilidade e contribuição nesse contexto que vivemos.

E espero que a leitura tenha despertado algo em todxs vocês.


(*) Yugo Motta é gerente de planejamento da Artplan no Rio de Janeiro.